
O distanciamento social faz o coração se sentir mais solitário.
Um artigo da Harvard University, uma das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos e reconhecida mundialmente, reúne três especialistas que apontam a questão da solidão no contexto da pandemia, assim como suas consequências e como aliviar esse sentimento.
Uma das principais medidas para conter a rápida propagação do novo coronavírus foi o distanciamento social, evitando aglomerações e diminuindo, assim, o risco de contágio. Desse modo, aulas são suspensas, muitas atividades comerciais permanecem fechadas, o trabalho remoto é implantado para todos que têm essa possibilidade e as pessoas são orientadas a sair de casa somente para compras essenciais.
Com essas medidas, portanto, encontros profissionais, reuniões familiares ou entre amigos, festas, passeios, deixam de acontecer. A comunicação digital substitui a presencial, mas o prolongamento desse período de distanciamento social – comumente chamado de quarentena – pode trazer sentimento de solidão e ansiedade.
Leia a análise e as orientações dos professores no artigo abaixo.
Professores de Harvard analisam a solidão no panorama da pandemia do coronavírus.
À medida que nos afastamos das pessoas, a crescente solidão parece estar entre uma série de impactos na saúde mental como inevitáveis efeitos colaterais. Uma pesquisa da Kaiser Family Foundation do final de março mostrou que 45% dos entrevistados relataram efeitos na saúde mental e 19% relataram sentir um impacto maior.
Embora o isolamento físico por causa do distanciamento social possa aumentar os sentimentos de solidão, os professores também alertam que isolamento e solidão não são a mesma coisa. Segundo eles, no entanto, existem formas para aliviar esse sentimento, algumas das quais podem até ajudar outras pessoas.
“A experiência da solidão é 100% subjetiva”, disse Jeremy Nobel, do Centro de Cuidados Primários da Harvard Medical School e professor adjunto do Departamento de Políticas e Administração de Saúde da Harvard T.H. Chan School of Public Health, onde ministra um curso sobre solidão e saúde pública.
“Isolamento é o estado objetivo de estar fisicamente separado. Solidão é a lacuna percebida entre nossa conexão social e a que gostaríamos de ter.”, explica Nobel.
Os riscos de um profundo sentimento de solidão.
Embora a solidão em si não seja considerada uma doença mental, Nobel disse que é um fator de risco para depressão, suicídio e dependência. Ele considera que seus efeitos prejudiciais à saúde são comparáveis aos do tabagismo e da obesidade. Os impactos fisiológicos incluem aumento da inflamação – com implicações negativas à saúde – e diminuição da resposta imune, ambas potencialmente importantes em tempos de pandemia.
Karestan Koenen é epidemiologista psiquiátrica da Harvard Chan School e especialista em impactos de trauma na saúde mental. Como explica, os efeitos da solidão podem ser particularmente agudos para aqueles que moravam sozinhos mesmo antes da pandemia do coronavírus.
“A solidão é uma grande preocupação, especialmente para pessoas que já se sentiam isoladas. Sabemos que é tóxico para a saúde, não apenas para a saúde mental, mas para a saúde física.”, afirma Koenen.
Robert Waldinger, professor de psiquiatria da Harvard Medical School e Massachusetts General Hospital e chefe do antigo Harvard Study of Adult Development, concorda que a solidão pode afetar a saúde. E alerta que condições preexistentes podem prejudicar ainda mais a capacidade de sair e se conectar com outros.
“Descobrimos que as pessoas que estão mais conectadas são mais saudáveis e as pessoas mais saudáveis estão mais conectadas”, disse Waldinger. “É uma relação bidirecional.”
A conexão com outras pessoas na mesma situação ajuda a aliviar o sentimento de solidão.
Estar sozinho e se sentir solitário também pode resultar em uma espécie de inércia emocional, afirma Waldinger. Isto significa que é preciso ter muita força de vontade para sair dessa situação. O que pode ajudar é começar procurando um amigo que você acha que também pode estar se sentindo só.
“Existe uma passividade, se você estiver sozinho. Você pensa: ‘as pessoas provavelmente não querem falar comigo’.”
Segundo ele, “as pesquisas mostram que a conexão humana é uma grande maneira de atravessarmos tempos difíceis. Nos saímos melhor quando agimos em conjunto do que quando estamos isolados.”
“Perder um ente querido é difícil numa situação de normalidade, e pode ser particularmente difícil agora”, ressalta Waldinger. O conforto normal da família que se une para lamentar e apoiar um ao outro pode não acontecer devido à necessidade de distanciamento social.
O impacto do sofrimento agravado pelo isolamento pode ser mais forte para os maridos sobreviventes, uma vez que estudos mostram que as mulheres são melhores em manter conexões sociais e os maridos geralmente dependem dos contatos mantidos por suas esposas.
A criatividade ajuda a expressar sentimentos e se sentir mais conectado.
Nobel criou recentemente o The UnLonely Project, que engloba o site “Stuck at Home (together)“, fornecendo suporte gratuito com o uso de projetos artísticos para aqueles que lutam com o isolamento involuntário durante a pandemia. Segundo ele, qualquer tipo de atividade artística tem efeitos notáveis sobre a saúde como forma de aliviar a solidão.
Conforme explica, o efeito benéfico pode ocorrer porque força a pessoa a se concentrar no momento e a encoraja a expressar pensamentos e sentimentos de uma maneira saudável. Um aspecto importante do uso das artes para curar, disse ele, é compartilhar a própria criação – seja um desenho, um poema ou preparar uma refeição.
“No momento, você não está preocupado com seus 200 e-mails”, disse Nobel. “Fazer arte, mesmo um esboço ou um simples arranjo de flores, fornece um material que você pode compartilhar com outro ser humano, e essa pessoa pode estabelecer uma conexão com você. Certamente é um instrumento poderoso e confiável que, como quando se fecha um circuito elétrico, conecta as duas pessoas.”
O uso da tecnologia aproxima as pessoas durante o distanciamento social.
Ao contrário das pandemias do passado, Nobel e Waldinger concordaram que muitas das pessoas que estão mantendo o distanciamento social têm o benefício da tecnologia para permanecerem conectadas. Embora a presença física não possa ser fielmente reproduzida, disse Waldinger, plataformas de videoconferência possibilitam formas de fazer contato e manter a conexão pessoal.
“Conectar-se com outras pessoas remotamente é melhor do que eu pensava que seria antes da pandemia. Meu grupo de meditação se reúne toda segunda-feira à noite, virtualmente, e isso é bom. Nós bebemos com amigos, não é a mesma coisa, mas é melhor que nada.”, comenta Waldinger.
Embora reuniões virtuais, happy hours, bate-papos com a família e outras reuniões tenham se mostrado uma bênção para muitos durante esta pandemia, ele afirma estar preocupado com o fato de a situação poder se transformar no cenário familiar de “os ricos ficarem mais ricos”, com os que estão em melhores condições e mais à vontade com a tecnologia se beneficiando enquanto outros sofrem em silêncio.
“Um em cada quatro americanos vive sozinho”, esclarece Waldinger. “Minha preocupação é que as pessoas que moram sozinhas não tenham outras pessoas que as convençam a participar de eventos ou digam: ‘Vamos ligar, fazer isso e aquilo’.”
Um outro tipo de união surge durante a pandemia.
Se existe um benefício nesses dias de quarentena, afirma Nobel, é que, com todo mundo fisicamente isolado, o estigma de admitir a solidão diminuiu, o que pode, de fato, facilitar a aceitação e busca de auxílio.
“Agora, no mundo do coronavírus, ninguém tem vergonha de dizer que está sozinho”, disse Nobel.
Ironicamente, Waldinger disse que, mesmo que a pandemia nos mantenha fisicamente separados, muitos de nós nos reunimos, seja através de mensagens de apoio nas redes sociais, fazendo doações para pagar pelo equipamento de proteção pessoal dos socorristas ou batendo palmas, cantando e tocando instrumentos musicais de janelas e varandas de apartamentos de Nova York à Itália.
“Fomos inundados com mensagens de como estamos divididos”, disse Waldinger. “De qualquer forma, [a crise está] reafirmando a nossa conexão.”
As orientações e sugestões para aliviar a solidão: conclusões do professor da Harvard.
Em vídeo, Jeremy Nobel, da Harvard Medical School, explica que “solidão é a diferença entre as conexões sociais que você gostaria de ter e as que você sente que tem. Essa lacuna é quase sempre angustiante.”
Catherine Dulac, professora de biologia molecular e celular, afirma que “o isolamento foi associado não apenas com o aumento do estresse, mas também da suscetibilidade para todos os tipo de distúrbios, câncer e maior taxa de mortalidade.”
Nobel continua: “Quando você está se sentindo sozinho, realmente a única maneira de superar esse sentimento é aumentar seu senso de conexão com os outros e consigo mesmo. Também é importante ficar algum tempo quieto, consigo mesmo.
É aqui que a meditação pode ser incrivelmente útil, bem como outros tipos de atenção plena. Até mesmo lembrar de algumas coisas em sua vida pelas quais você pode se sentir grato, ou que conectam você a sentimentos positivos. E para isso, todos nós precisamos nos esforçar.”
artigo publicado no site da Harvard University, de 04/05/2020, por Alvin Powell e vídeo de Justin Saglio