
A Doutrina Espírita procura desmistificar o céu e o inferno.
O espiritismo visa, basicamente, desmistificar essa questão do céu e do inferno. E, ao mesmo tempo, desmitificar essas mesmas expressões, para que a gente possa entender com exatidão o que é que elas querem dizer, pelo menos dentro do enfoque espírita.
Céu e inferno são dois elementos conhecidos pela humanidade desde épocas muito recuadas.
Verificamos menções a assuntos relativos ao céu e ao inferno desde os primeiros registros historiográficos na Grécia, no Egito, na Índia e em toda parte do mundo antigo.
Os termos “céu” e “inferno”, têm a sua origem em expressões latinas. Céu se origina de “caelun” que vem, por sua vez, do grego “koílos” (κοίλος, que significa côncavo), devido à aparente concavidade do céu.
Inferno se origina de “infernum” – que significa “as profundezas” ou o “mundo inferior” – que, por sua vez, se origina da palavra latina pré-cristã “inferus“, “lugares baixos”, “infernus“, tendo essa expressão significado de lugar de tormentas, de desespero e amargura.
Os povos antigos admitiam a ideia de céu e a ideia de inferno com outros termos e, às vezes, até com outros coloridos, com outros toques ideológicos ou teológicos.
A ideia que as palavras céu e inferno envolvem, de forma geral, são ideias de coisa boa e de coisa ruim. Falar de céu é dizer que se está bem. Falar do inferno é dizer que não se está bem.
As diferentes conceituações através dos tempos.
Nos tempos mais recuados, nas épocas mais distantes, essas ideias vinham acompanhadas de uma simbologia material, porque os antigos entendiam a existência, por exemplo, de sete céus. Então eles definiam onde é que estavam esses céus: entre as estrelas, depois da atmosfera ou antes da atmosfera. E para identificar a criatura que estava mesmo bem de vida, ela estaria no último, no sétimo céu.
Mas nesses mesmos períodos distantes um cientista e astrônomo chamado Ptlomeu entendia que não haviam somente sete céus. Em sua visão empírica, ele imaginava onze céus. E ao último céu ele dava um nome especial. Ao 11º céu ele chamava de “empyrus”, ou empíreo como nós conhecemos hoje em português.
Era chamado assim por que ele classificava esse último céu como uma região de grande brilho, de grande beleza luminosa e criou essa palavra que vem do grego, uma vez que empíreo tem a partícula “pyr”, que quer dizer fogo. Ptolomeu procurava definir aquele céu como sendo um lugar de muito brilho, e o brilho era associado ao fogo.
Já os muçulmanos, os que seguem o corão, também admitem até hoje a existência de nove céus. Portanto, ficaram entre os 7 e os 11 de Ptolomeu. Assim, vemos que foram atribuídas ao céu várias gradações. Dentro dessa mentalidade, aqueles que estejam no primeiro céu de Ptolomeu não estarão tão felizes quanto aqueles que se acham no 11º. E quem se acha no primeiro céu dos muçulmanos não estará tão feliz quanto quem esteja no quinto como quem esteja no nono, e assim sucessivamente.
Mas a ideia global que envolve a palavra “céu” é a ideia de coisa boa, alguém que está vivendo uma vida melhor. Quem vive no céu está vivendo bem, diferente de quem está no oposto, no inferno: lá as coisas não são boas, aliás, são muito ruins.
O Evangelho de Mateus e o céu.
No espiritismo o conceito de céu é formado a partir do que Jesus Cristo falou.
Jesus falou muito em reino dos céus ou reino de Deus. Então céu é uma palavra bastante densa de significados no espiritismo de um modo geral, bem como para os cristãos em particular. Jesus Cristo, ao longo da sua caminhada aqui entre nós, foi deixando uma visão bastante interessante do que ele entendia como sendo o céu. Em vários momentos ele fez alusão ao céu.
No Evangelho de Mateus Jesus se reporta ao reino do céu um bom número de vezes, sempre inserido em uma parábola. Como, por exemplo, quando ele diz que “o reino dos céus é semelhante a…”, e conta uma parábola.
Podemos notar que em todas elas ele situa o reino dos céus na intimidade do ser: “o reino dos céus é semelhante ao tesouro oculto no campo”, isto é, enterrado no campo, está dentro. “O reino dos céus é semelhante a uma pérola de grande valor” – a pérola está no interior das ostras, no fundo das águas, está dentro. “O reino dos céus é semelhante a um pescador que atirou suas redes ao mar e puxou os peixes”, ou seja, de dentro para fora.
Notamos, portanto, essa analogia de que reino dos céus está associado à questão de intimidade.
O Evangelho de Lucas e o céu.
No Evangelho de Lucas, no capítulo 17, versículo 21, nós nos depararmos com Jesus Cristo dizendo: “o reino dos céus não tem aparências externas, o reino dos céus está dentro de vós”, amarrando tudo.
Portanto, enquanto os antigos falavam de sete céus pela atmosfera e fora dela, enquanto os muçulmanos falavam de 9 céus e Ptolomeu de 11, sempre para fora, Jesus Cristo vinha falar de um estado de céu por dentro.
Para Jesus, céu não é um lugar onde se vivem delícias, onde se aproveitam prazeres. Para Jesus, céu é um estado d’alma.
Quando ele disse que o reino dos céus ou reino de Deus não tem aparências exteriores que está dentro, está concluindo que, se é dentro de nós, não é um lugar, é em nossa intimidade, em nosso íntimo.
Ainda no Evangelho de Lucas, “Jesus Cristo” diz o seguinte: “a boca fala daquilo que está cheio o coração”. Naturalmente que também não é lugar, o órgão, o coração sendo o músculo cardíaco, não é o coração orgânico. É o coração cerne, é o coração intimidade, o nosso âmago, e assim podemos compreender quando Jesus diz: “onde estiver o vosso tesouro, aí estará o vosso coração”. E é daí que a boca tira as coisas que fala.
Assim, onde estiver a coisa que damos valor, lá estará a nossa atenção, o nosso interesse, na nossa intimidade.
O trabalho de Allan Kardec e as lições morais de Jesus.
Ao lidar com as lições morais de Jesus, o espiritismo nos fala do cristianismo revivido. Se nos apoiamos nos ensinamentos de Jesus e se ele nos disse que o reino dos céus não tem aparências exteriores porque está dentro de cada um nós, temos que depreender que o inferno também não tem aparências exteriores.
Já que o inferno é uma oposição a esse estado de céu, ou nós estamos nesse estado de harmonia interna, de ajuste interno com as leis de Deus , com as leis morais ou nós estamos no estado oposto.
Até o século XX, cristãos das mais variadas denominações admitiam um céu exterior e estereotipado, onde Deus estava assentado num trono de majestade com os anjos, arcanjos, querubins e serafins lhe prestando honra, lhe prestando culto. Era como se fosse uma soberano real terrestre afeito a bajulações, circundado de delícias materiais, frutos, banquetes intermináveis, com anjos trombeteiros anunciando uma felicidade perene, eterna para os eleitos de Deus, que ficariam à sua direita, e os réprobos à sua esquerda eternamente.
Com Allan Kardec e as obras da codificação, tal quadro começou a mudar, bem como uma maneira de pensar que surgiu na Terra com a interpretação falseada do pensamento de Jesus impedindo a compreensão verdadeira dos seus ensinamentos, esquecendo-se que ele era o modelo e o guia a ser seguido.
Sua figura e ensinamento foi transformado, ao longo dos séculos, em um mero material de consumo. Muitos perceberam que é bom falar de Jesus para comercializar a fé, usando o nome dele para obter lucro.
A proposta de Jesus para viver no céu interior.
A proposta de Jesus exige trabalho árduo e persistente no autoconhecimento para encontrarmos o céu interior indicado por ele. Mas todos os esforços serão recompensados com a harmonia, a paciência, a calma e a paz profunda que exalaremos.
Da mesma forma que encontramos na paz interior o céu indicado por Jesus, o inferno também se instala no íntimo da criatura insatisfeita, atormentada, alucinada, raivosa, odienta, vingativa, que se deixa levar pelas paixões e vícios, se não trabalha no controle de seus instintos desregrados.
Uma pessoa assim vibra em uma faixa infernal, vive seu inferno interior, não consegue dormir direito.
Se o reino dos céus, esse estado de paz e plenitude de equilíbrio de harmonia interior, está dentro de nós, o estado oposto de ”infernizado”, de agonia, de desespero, de desestruturação também está dentro do ser. Há dias em que não se consegue conversar com ninguém, a aflição, o desespero, impõe um estado de verdadeiro inferno.
Mas conforme citamos anteriormente em Lucas 6:45, “onde estiver o vosso tesouro aí estará o vosso coração”. Ou seja, o nosso tesouro é tudo aquilo a que damos valor, o que ambicionamos, o que buscamos. Portanto, as coisas em que colocarmos valor, é lá que estaremos mentalmente.
José Batista de Carvalho
Baseado em palestra de Raul Teixeira