
As ofensas não perdoadas podem nos ligar aos ofensores por muito tempo.
Quando alguém nos ofende de alguma forma, dificilmente lembramos que Jesus disse para “dar a outra face”. Vem uma mistura de sentimentos, que vão da raiva, ao desejo de vingança, passando pelo que se convenciona chamar como “questão de honra”, além das “vozes” dos outros que imaginamos nos dizendo que não podemos “deixar barato”, que somos frouxos, que precisamos “dar o troco”.
E assim estabelecemos um verdadeiro círculo vicioso, porque a ofensa à qual respondemos com outra, o mal ao qual revidamos com outro provavelmente vai encontrar a mesma resposta de revide.
Presos à nossa visão imediatista e terrena, mal imaginamos que isso se estende pelos séculos, que essas perseguições continuam depois que desencarnamos.
E, ainda mais, pode ocorrer a reencarnação de um dos dois espíritos. A relação entre os dois planos – o terreno e o espiritual – acaba fazendo, então, com que aquele que não reencarnou continue perseguindo e se tornando um obsessor daquele que está cumprindo uma nova existência carnal.
Para “dar a outra face” é preciso humildade e coragem.
“Dar a outra face”, no sentido de não revidar ao mal com o mal, constitui-se, portanto, numa atitude que, mais do que a obrigação do cumprimento de um preceito moral trazido por Jesus ou de uma aparente covardia, constitui um benefício inestimável à nossa vida futura.
Nós acreditamos que a coragem significa revidar a qualquer ofensa, por menor que seja ou até mesmo por uma palavra impensada, mostrando um “temperamento forte”. Mas é preciso mais coragem para suportar um insulto do que partir para a vingança, diz Allan Kardec.
“Aprendestes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vo digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra.” (Mateus, 5:38-42)
Além disso, nenhuma das diretrizes que Jesus nos deixou, e que têm sido explicadas com o advento do espiritismo, são ordens a serem cumpridas. São, de fato, orientações sobre a melhor forma de proceder para o nosso próprio benefício na trilha da evolução milenar que percorremos.
E, certamente, dentro dos preceitos evangélicos, tudo o que é bom para nós é bom também para os nossos semelhantes.
A vingança é a revolta pelos sentimentos feridos.
Entretanto, não se deve entender que não devemos nos acautelar e prevenir contra a ocorrência de qualquer ação que percebemos que pode nos prejudicar. Certa vez ouvi dizer que devemos agir como a abelha, que é laboriosa e útil, mas também se protege com o ferrão. Ou como explica André Luiz, na fábula sobre a serpente venenosa.
“Enunciando, pois, aquela máxima, não pretendeu Jesus interdizer toda defesa, mas condenar a vingança”, explica Kardec. Devemos, portanto, sempre estar atentos e proteger a nossa integridade, nos defendermos contra as falsidades. Mas é preciso deixar de lado pensamentos e atitudes de revide, interrompendo a corrente do mal.
E Kardec continua dizendo “que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os outros.”
O conhecimento da vida espiritual, a certeza da vida futura e da justiça de Deus, é o que nos dá forças em face aos males que recebemos.
“Daí vem o repetirmos incessantemente: lançai para diante o olhar; quanto mais vos elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos magoarão as coisas da Terra”, orienta Kardec.
“Ó estúpido amor-próprio, tola vaidade e louco orgulho, quando sereis substituídos pela caridade cristã, pelo amor do próximo e pela humildade que o Cristo exemplificou e preceituou?
Só quando isso se der, desaparecerão esses preceitos monstruosos que ainda governam os homens, e que as leis são impotentes para reprimir, porque não basta interditar o mal e prescrever o bem; é preciso que o princípio do bem e o horror ao mal morem no coração do homem.” (Um Espírito protetor, Bordeaux, 1861)
As ofensas também são provas para a nossa jornada espiritual.
A vingança contraria a recomendação de Jesus de perdoar os inimigos. Aquele que procura se vingar planeja as suas ações, não tem escrúpulos em atacar a honra, em disseminar calúnias e insinuações, em atingir também outras pessoas, avolumando os seus débitos nesse caminho.
“Em consequência, quando o perseguido se apresenta nos lugares por onde passou o sopro do perseguidor, espanta-se de dar com semblantes frios, em vez de fisionomias amigas e benevolentes que outrora o acolhiam.
Fica estupefato quando mãos que se lhe estendiam, agora se recusam a apertar as suas. Enfim, sente-se aniquilado, ao verificar que os seus mais caros amigos e parentes se afastam e o evitam.
Ah! O covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpado do que o que enfrenta o seu inimigo e o insulta em plena face.” (Júlio Olivier, Paris, 1862)
Entretanto, a vida é uma viagem e não devemos permitir que atitudes rudes nos desviem do caminho. Pensar em se vingar é perpetuar o mal e não aceitar as lições que nos chegam pelas provações da existência.
Nós nos arbitramos o direito de ser juízes em causa própria, condenando e executando sentenças através de atos de vingança.
Mas o que poderemos esperar quando, do retorno ao plano espiritual, a nossa consciência rememorar todas as nossas atitudes, então sob o influxo da sabedoria divina? Apenas o remorso vai inundar o nosso espírito, banhado nas lembranças sombrias, amargurado por termos perdido a oportunidade de podermos ser melhores do que nossos ofensores, melhores do que nós mesmos.
A paz do mundo começa na paz de cada um.
Mesmo depois de todas as ofensas, as injúrias, os ultrajes e o sofrimento que padeceu, Jesus não ameaçou com a vingança os seus algozes. Suas últimas palavras foram um pedido de perdão em favor de seus ofensores, ao dizer: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.” (Lucas, 23:34)
Não importa o que os outros vão pensar, importa é estar com a consciência tranquila e fazer o o que achamos correto. Nossos antigos hábitos podem e devem ser modificados à luz dos novos aprendizados.
“Caim! Caim! Que fizeste de teu irmão? Foi-me necessário derramar sangue para salvar a minha honra, responderá ele a essa voz. Ela, porém, retrucará: Procuraste salvá-la perante os homens, por alguns instantes que te restavam de vida na Terra, e não pensaste em salvá-la perante Deus! ((Santo Agostinho, Paris, 1862)
E assim podemos agir como orienta Santo Agostinho: “Amigos, lembrai-vos deste preceito: Amai-vos uns aos outros. E, então, a um golpe desferido pelo ódio respondereis com um sorriso, e ao ultraje com o perdão.”
Essa mudança de comportamento é necessária, pois é um dos alicerces que fará do mundo um lugar melhor para se viver, pois “quando a caridade regular a conduta dos homens, eles conformarão seus atos e palavras a esta máxima: Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam.
Verificando-se isso, desaparecerão todas as causas de dissensões e, com elas, as dos duelos e das guerras, que são os duelos de povo a povo.” (Francisco Xavier, Bordeaux, 1861)
Noemi Cardoso de Carvalho
Texto baseado em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, por Allan Kardec – Capítulo XII – Amai os vossos inimigos
Gratidão Noemi pelas dissertações! Muita clareza na luz do evangelho! Muito obrigada!