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O Vale Sinistro, nas memórias de quem esteve lá

Vale Sinistro

As memórias de quem passou pelo Vale Sinistro, ou Vale dos Suicidas.

O protagonista da obra “Memórias de um Suicida”, de Yvonne do Amaral Pereira¹, relata a sua tenebrosa estada no Vale Sinistro. Segundo ele, é lá onde permanecem os espíritos daqueles que abreviaram a sua existência pelo suicídio. Mas Camilo Castelo Branco (sob o pseudônimo de Camilo Cândido Botelho) explica: “Não os convidarei a crer. Não é assunto que se imponha à crença, simplesmente, mas ao raciocínio, ao exame, à investigação. O que os convido, o que ardentemente desejo (…) é que se eximam de conhecer essa realidade.”

Conforme ele explica, o Vale Sinistro é um estágio temporário, sendo para lá encaminhados, por uma atração natural, aqueles que cometem o suicídio. Ali se concentram as falanges de suicidas para que se extingam as forças vitais que foram abruptamente interrompidas. Isso ocorre “até que se desfaçam as pesadas cadeias que o atrelam ao corpo físico-terreno, destruído antes da ocasião prevista pela lei natural.”

Ele então descreve o ambiente, como sendo composto por “vales profundos, gargantas sinuosas e cavernas sinistras, no interior das quais uivavam, quais maltas de demônios enfurecidos, Espíritos que foram homens, dementados pela intensidade e estranheza, verdadeiramente inconcebíveis, dos sofrimentos que os martirizavam.”

Em sua concepção, percebia um solo imundo e fétido, o ar era asfixiante, pesado e gelado. Além disso, não havia nem um arvoredo, nem a claridade do Sol, nem sequer ventos sadios que pudessem renovar a atmosfera. “Não havia então ali, como não haverá jamais, nem paz, nem consolo nem esperança: tudo em seu âmbito marcado pela desgraça era miséria, assombro, desespero e horror.”

Uma grande decepção para quem passa pelo Vale Sinistro.

Os espíritos ali se reuniam em grupamentos afins. E a sensação era “como se estivessem sepultados vivos nas profundas tenebrosidades de algum vulcão”, composto por intermináveis cavernas, lagos pantanosos e muralhas abruptas. Corriam a esmo, sem entender onde estavam, aterrorizados pelas imagens “criadas pelos próprios pensamentos distanciados da Luz e do Amor de Deus!”

Entretanto, recorda Camilo, não era apenas o local que infundia terror. Segundo ele, “uma visão macabra ressurgia insidiosamente: o corpo se decompondo, o curso natural da destruição orgânica, sob nossas vistas estupefatas.”

Além disso, a mente era continuamente torturada pelas penosas recordações, pelo arrependimento do ato agora sem possibilidade de retorno. E se o corpo morria, a consciência continuava pensante, inteligente. O ego se revoltava, desapontado, incapaz de compreender.

“O que há é a raiva envenenada daquele que já não pode chorar, porque ficou exausto sob o excesso das lágrimas! O que há é o desaponto, a surpresa aterradora daquele que se sente vivo a despeito de se haver arrojado na morte! É a revolta, a praga, o insulto, o ulular de corações que o percutir monstruoso da expiação transformou em feras! O que há é a consciência conflagrada, a alma ofendida pela imprudência das ações cometidas, a mente revolucionada, as faculdades espirituais envolvidas nas trevas oriundas de si  mesma!”, desabafa o protagonista.

Não bastasse tudo isso, há a grande decepção por perceber que “o além-túmulo acha-se longe de ser a abstração que na Terra se supõe, ou as regiões paradisíacas fáceis de conquistar com algumas poucas fórmulas inexpressivas. Ele é, antes, simplesmente a Vida Real.”

Não era só o drama pessoal, mas o drama coletivo que impregnava as mentes.

Camilo acabou com a sua vida com um tiro de arma de fogo, porque estava inconformado com a cegueira que o acometeu. E acreditava que assim colocaria fim ao seu sofrimento. Mas a dura realidade que ele encontrou era outra. E, apesar de ainda se sentir cego, percebia toda a tenebrosa paisagem e a escória que o rodeava, aumentando sua confusão e incompreensão.

Como se não bastasse o drama pessoal, pois a todo momento rememorava o ato suicida e se remoía nos remorsos, as correntes mentais que impregnavam o ambiente faziam com que sofresse a sugestão do sofrimento dos outros.

“A mente conflagrada não tinha a noção do tempo, estacionado na data fatídica, ninguém sabia onde estava nem o porquê da insana situação. Só havia assombro, confusão, suposições e as tentativas frustradas de encontrar o caminho de volta ao lar.”

Assim, lembra Camilo, “nenhum pensamento bom, nem mesmo uma oração era possível, pois o ambiente superlotado de males encarcerava o pensamento nas mais baixas vibrações”. Somente a autossugestão imperava e fazia reviver todas as crenças e superstições da infância, “do julgamento, da culpa e das penas impostas no tribunal do inferno.”

E com isso, as mentes se fragilizavam ainda mais, pelo assombro e pelo sofrimento. Mas ali, na região das sombras, os obsessores que haviam alimentado a sugestão do suicídio nas mentes enfraquecidas e distanciadas do amor divino, se divertiam, agora, na posição de juízes e verdugos.

Obrigavam os sentenciados a torpezas, ou então faziam surgir à sua consciência todos os atos incorretos, os erros, as quedas, as vítimas do egoísmo. E, dessa forma, intensificavam não só a angústia, mas também o remorso.

Um raio de esperança surgia nas sombras espessas.

Contudo, um raio de esperança se fazia ver periodicamente. Era uma caravana que percorria o Vale Sinistro à procura daqueles cujos fluidos vitais, com a desintegração da matéria, já pudessem ser levados para outras camadas do Invisível.

Os seus componentes iam todos vestidos de branco, com um emblema à altura do peito, uma pequena cruz azul-celeste. As senhoras caminhavam em colunas, rodeadas por lanceiros – que lembravam guerreiros egípcios da antiguidade – e protegiam o pequeno pelotão, enquanto outro grupamento avançava, como batedores.

O chefe da expedição vestia um avental branco, com as insígnias de médico ao lado da cruz azul-celeste. Um turbante hindu lhe cobria a cabeça, arrematado por uma pedra de esmeralda, o símbolo dos médicos.

O oficial comandante que ia à frente empunhava uma alva flâmula, na qual se identificava, em caracteres também azul-celeste, a legenda dos valorosos espíritos que adentravam as mais profundas e sinistras trevas, em busca daqueles que podiam receber o socorro abençoado.

E na flâmula lia-se, estampada, a legenda “Legião dos Servos de Maria”.

A Legião dos Servos de Maria resgata os sofredores no Vale Sinistro.

Os abnegados servidores iam ao sombrio vale em nome e sob a proteção de nossa Mãe Santíssima. Ela não abandona os seus filhos e os recolhe ao seu regaço amoroso logo que a situação individual de cada pobre alma, caída nos despenhadeiros da dor pela atitude precipitada, assim o permite.

“Entravam aqui e ali, pelo interior das cavernas habitadas, examinando seus ocupantes. Curvavam-se, cheios de piedade, junto das sarjetas, levantando aqui e acolá algum desgraçado tombado sob o excesso de sofrimento; retiravam os que apresentassem condições de poderem ser socorridos e colocavam-nos em macas conduzidas por varões que se diriam serviçais ou aprendizes”, relata Camilo Castelo Branco.

O autor espiritual considerou interessante o meio de transporte usado pelos caravaneiros. Segundo ele, o comboio lembrava pequenas diligências brancas, à moda antiga. Eram puxadas por parelhas de cavalos também brancos, “nobres animais de extraordinária beleza e elegância incomum.

(…) Vigorosos e inteligentes, as belas crinas ondulantes e graciosas enfeitando-lhes os altivos pescoços quais mantos de seda, níveos e finalmente franjados. Nos carros distinguia-se também o mesmo emblema azul-celeste e a legenda respeitável.”

O Amor de Santa Maria, que cuida de todos os seus filhos.

Santa Maria viu seu filho sofrer os martírios da cruz por obra dos homens. Mas mesmo assim, ela acolhe todos os homens como seus filhos, ainda que sofram por obra própria, por não seguir as palavras de Jesus, nem confiar no seu amparo materno para suportar as vicissitudes e sofrimentos da existência.

Esses momentos da vida defronte aos quais tantos sucumbem, são necessários no roteiro que cada um escreveu para a sua vida. As dificuldades que se antepõem são a reparação de atitudes que desequilibraram a balança moral da existência, onde os débitos contraídos pelo uso indevido do livre-arbítrio precisam ser retificados.

“Assim sendo, habilite-se, também, desenvolvendo os dons psíquicos que herdou da sua divina origem. Impulsione pensamento, vontade, ação, coração, através das vias alcandoradas da Espiritualidade superior… e atingirá as esferas astrais que circundam a Terra!”

Esse é o alerta e o pedido do espírito de Camilo Castelo Branco, que compartilhou as suas mais angustiantes lembranças para que elas possam ajudar a resgatar pessoas sofredoras, antes que elas se tornem espíritos sofredores.

Noemi C. Carvalho

Referências

1 – O livro “Memórias de um Suicida” foi escrito pelo Espírito Camilo Castelo Branco, através da mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira. Publicado pela primeira vez em maio de 1954, começou a ser escrito em 1926, e levou em torno de 20 anos para a sua compilação, redação e publicação.
Com orientação do Espírito Léon Denis, o autor espiritual Camilo Castelo Branco, sob o pseudônimo de Camilo Cândido Botelho, descreve à médium a sua dolorosa experiência após a desencarnação pelo suicídio, bem como o caminho de reconstrução que se mostra aos arrependidos.
Fonte: Federação Espírita do Rio Grande do Sul

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