
As relações de inimizade continuam depois da morte.
Acontece, nos diferentes tipos de relacionamentos que mantemos, de surgirem desentendimentos. Às vezes eles duram pouco tempo, e em alguns dias tudo volta ao normal. Outras vezes, a discórdia toma proporções maiores e, então, surgem as inimizades. Mas o que acontece com essa relação depois da morte? É possível que essa condição de inimigos se dê também com os desencarnados?
Para responder a essa pergunta, Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita¹ esclarece que “a morte apenas o livra da presença material do seu inimigo. Pois que este o pode perseguir com o seu ódio, mesmo depois de haver deixado a Terra.”
Todos os sentimentos continuam impregnados no Espírito mesmo depois da sua separação do corpo material em função do desencarne. Além disso, os sentimentos de raiva e o desejo de vingança também podem continuar e passar de uma existência para outra. Eles podem, de fato, se estender até mesmo por várias reencarnações.
De acordo com as explicações fornecidas pelo Espiritismo, sabemos que existe o relacionamento entre o mundo visível e o mundo invisível, mesmo que não possamos percebê-lo com os nossos olhos carnais.
Portanto, quando se estabelece uma relação de ódio entre duas pessoas, o fato de uma delas desencarnar não livra o sobrevivente de receber as suas vibrações negativas.
E o mesmo se dá no sentido inverso, uma vez que os pensamentos percorrem os dois planos de existência – física e espiritual. Assim, todas as lembranças e os comentários relativos à situação de inimizade emitidos por quem ainda continua na sua existência terrena também são assimilados como influenciações perturbadoras pelo espírito desencarnado.
Inimigos desencarnados podem se tornar obsessores.
Apesar de não podermos ver os Espíritos, a não ser nos casos de mediunidade de vidência, eles podem nos ver.
Dessa forma, nessa relação mantida pela raiva e pelo desejo de vingança, o Espírito desencarnado pode acompanhar o tipo de vida que o seu desafeto está levando.
Pode, assim, se estabelecer um processo de obsessão, em que o desencarnado se liga fortemente à mente daquele que ainda vive no plano material, procurando influenciá-lo de modo a prejudicar a sua existência.
E, naturalmente, quando aquele que estava ainda vivendo no corpo físico também desencarna, essa relação de inimizade continua no plano espiritual.
E esse círculo de perseguições só vai acabar quando um dia, enfim, ambos entenderem que não é a vingança, mas sim o perdão, que vai restituir a paz e permitir seguir com o coração aliviado para novas experiências e outros aprendizados.
Os sentimentos inferiores mostram o que precisa ser ainda transformado.
A transformação, a depuração dos sentimentos inferiores faz parte do processo evolutivo. São imperfeições temporárias que um dia vão deixar de existir, pela ação da luz da compreensão.
Certamente, numa relação existem, pelo menos, duas partes envolvidas. Mas se ao menos uma delas tomar a iniciativa de compreender que todos ainda temos falhas a aperfeiçoar e conseguir, assim, perdoar a outra parte, essa atitude enfraquece a relação nociva, que nenhum proveito traz a ninguém.
Assim, diz Kardec, existe “uma razão de ser positiva e uma utilidade prática ao perdão e ao preceito do Cristo: Amai os vossos inimigos. Não há coração tão perverso que, mesmo a seu mau grado, não se mostre sensível ao bom proceder.
Mediante o bom procedimento, tira-se, pelo menos, todo pretexto às represálias, podendo-se até fazer de um inimigo um amigo, antes e depois de sua morte.
Com um mau proceder, o homem irrita o seu inimigo, que então se constitui instrumento de que a Justiça de Deus se serve para punir aquele que não perdoou.”
Como esclarece Kardec, “pode-se, portanto, contar inimigos assim entre os encarnados, como entre os desencarnados.
Os inimigos do mundo invisível manifestam a sua malevolência pelas obsessões e subjugações com que tanta gente se vê a braços e que representam um gênero de provações, as quais, como as outras, concorrem para o adiantamento do ser. E que, por isso, as deve receber com resignação e como consequência da natureza inferior do globo terrestre.
Se não houvesse homens maus na Terra, não haveria Espíritos maus ao seu derredor. Se, conseguintemente, se deve usar de benevolência com os inimigos encarnados, do mesmo modo se deve proceder com relação aos que se acham desencarnados.”
Evite manter laços com inimigos da paz, sejam encarnados ou desencarnados.
Allan Kardec cita um fato da história da humanidade. Ele esclarece que “outrora, sacrificavam-se vítimas sangrentas para aplacar os deuses infernais, que não eram senão os maus Espíritos. Aos deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma coisa.
O Espiritismo demonstra que esses demônios mais não são do que as almas dos homens perversos, que ainda não se despojaram dos instintos materiais.
E ninguém logra aplacá-los, senão mediante o sacrifício do ódio existente, isto é, pela caridade. Esta não tem por efeito, unicamente, impedi-los de praticar o mal, e sim também o de os reconduzir ao caminho do bem e de contribuir para a salvação deles.
É assim que o mandamento ‘amai os vossos inimigos’ não se circunscreve ao âmbito acanhado da Terra e da vida presente. Antes, faz parte da grande lei da solidariedade e da fraternidade universais.”
Podemos ter sido vítimas de atos que nos feriram ou prejudicaram. Mas manter vivos e continuamente alimentar os sentimentos tóxicos por eles originados somente vai trazer, como resultado, nos manter presos num círculo de vibrações inferiores.
Certamente não precisamos manter vínculos de amizade com quem nos prejudicou. Mas temos a escolha de nos desvincularmos de relações com inimigos que vão se estender mesmo depois de desencarnados.
Noemi C. Carvalho
1 – “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec – Capítulo XII – Amai os vossos inimigos
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