
Numa tarde cinzenta, uma mente cinzenta para combinar.
Sento em frente ao computador para começar a escrever. Procuro concatenar as ideias e juntar as letras no teclado. Mas, ao que parece, minha mente está cinzenta como a tarde chuvosa que escorre pelas janelas e paredes.
As ideias gostaram da ideia e também escorrem. Ligeiras e faceiras, não consigo segurá-las entre meus dedos.
Olho em volta procurando a inspiração e então vejo minha gatinha que escorreu para trás do notebook, para se aquecer no calor da tecnologia. Bem, pelo menos, a saída lateral está desobstruída, o note não vai superaquecer e torrar.
Corro os olhos pelas linhas escritas e lembro da minha cachorrinha que agora corre sua infinita energia por outros infinitos espaços. Saudades.
Uma mesma palavra pode despertar emoções diferentes e até contraditórias.
Saudades: quantos significados pode ter, quantas emoções pode despertar essa simples palavra. A combinação de letras combina os sentimentos de acordo com a nossa predisposição.
Assim, se estamos alegres, ela nos lembra da saudade doce e gostosa, da lembrança que faz rir os olhos e aquecer o coração. Saudade boa, amorosa, de uma pessoa, de um lugar, de um tempo.
E pronto, olha lá: acabei de ativar as minhas memórias. Porque agora passam rapidamente imagens do recreio na escola, das brincadeiras na rua, das casas da vizinhança…
Se a mente está cinzenta, ela pode despertar pensamentos negativos.
Você já percebeu isso alguma vez? Às vezes, você está com a cabeça vazia e, de repente, do nada, ela se enche de tanta coisa que você nem estava pensando, nem lembrando.
Basta aquilo que chamam de gatilho. Uma coisa à toa, uma palavra só, e os pensamentos, as imagens, as lembranças vêm de caminhão, aliás, tem vezes que chegam em frotas de caminhões.
Agora, quando é um carregamento bom, está tudo bem. Mas deu para perceber que o mesmo mecanismo vai funcionar também para o carregamento daquela carga emocional pesada, densa, sombria, escura, negativa, tóxica…que mais? Não sei, esgotei meus sinônimos.
O desfile de horrores dos pensamentos.
E aí, então, como fica? Daquele jeito, é claro: você fica mal, para baixo, desanimado, tristonho, chororô, derrotista, dramático, catastrófico. Sim, claro, pode completar com o que mais vier à sua cabeça.
Pronto, é o que basta! Em seguida, já começa o desfile de horrores dos pensamentos: “Isso não vai dar certo. O que eu vou fazer agora? Não tem jeito de consertar essa situação. Se pelo menos… Se eu tivesse… Será que…”
E o que acontece em seguida? Agora sim, você deu o sinal para chamar todos os carros alegóricos, antecipando o Carnaval. Então eles vão chegando, desfilando os seus maiores medos, as suas piores aflições, escancarando suas lembranças mais vergonhosas.
Enquanto isso, você acaba sendo jogado lá no meio, atônito, não acha a saída, e aquele arremedo ensurdecedor de música que só repete o refrão de todas as suas angústias. É ruim, não é?
Perceba se a mente está cinzenta e redobre a atenção aos seus pensamentos.
Então, não é melhor prestar atenção ao que você está sentindo e pensando? Porque essas imagens, esses “pensamentos do mal”, vão aparecer uma hora dessas. É o que falamos lá em cima: tem um gatilho que dispara todo o esquema. Mas esse gatilho é mais difícil de você perceber e controlar.
Por outro lado, os pensamentos você pode interromper e mandar tocar outra música. Só que você precisa estar atento, interromper o desfile macabro logo. E, acima de tudo, o melhor mesmo é evitar que ele comece. Porque senão, fica cada vez mais difícil, a saída fica sempre mais longe.
É melhor você respirar fundo e falar: “Opa! O que é que é isso? Isso não é meu, não vou pensar assim. Se ainda não deu certo, é exatamente isso: AINDA. Mas vai dar, vou me empenhar nisso, é o que quero, sei que posso!”
Encontre a sua saída, escale os obstáculos.
Portanto, para ficar bem, faça isso todas as vezes que perceber que não está bom. Naturalmente, isso não é uma ordem, contudo, deixo como sugestão. Mas, pelo menos, experimente.
Isso deve ajudar você a sair dessa bagunça que a mente às vezes faz. Pelo menos, enquanto você se recompõe, até você conseguir se equilibrar na beira do poço e não ir parar lá para no fundo.
Mas se por acaso cair, faça como a Dona Aranha da cantiga:
A dona aranha subiu pela parede
Veio a chuva forte e a derrubou
Já passou a chuva o sol já vai surgindo
E a dona aranha continua a subir
Ela é teimosa e desobediente
Sobe, sobe, sobe e nunca está contente.
Seja teimoso, enfim, mais do que a sua mente, movimente essa força que existe em seu interior. Porque ela é poderosa e espera o seu comando.
Noemi C. Carvalho
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