
A mesmice nossa de cada dia é uma sombra que chega devagar.
Ter uma vida mais dinâmica, sair da mesmice, viver com alegria e entusiasmo é muito bom. Mas o problema é que muitas vezes não percebemos que a mesmice se instalou.
Isto acontece porque a mesmice tem uma característica: suave e lenta, sem avisos, nem um sinalzinho sequer e ela chega, estaciona. Como uma árvore, agarra a terra, entranha raízes, finca silenciosa presença, transfigura-se em ilusória percepção de estabilidade e calma.
Podemos observar essa sombra, ano após ano, estendendo um manto de conforto e normalidade sob todos os que não se dispõem mais a sair ao calor e luz do sol. E, comodamente, usam essa capa peregrinando, assim, pela vida sem atingir todo o seu potencial.
Essa normalidade serve para que ideais sejam mansamente acomodados e reprimidos, impedindo, dessa maneira, que o impulso para a realização de aptidões tenha vazão. A qualidade dessas forças que brotam da essência do ser causam um certo receio porque, na maioria das vezes, não encontram referenciais estabelecidos.
O desconhecido, que tanto medo nos traz, esconde a certeira ruptura de paradigmas que o novo vem apresentar. Então, entre a aventura da realização do ser e o seguro estabelecimento de um roteiro confortável e conhecido, que muitas vezes já percorremos, fechamos os olhos como se isso afastasse o perigo.
Não seja um número das estatísticas, esforce-se para sair da mesmice.
Na estatística, parece-me que, salvo engano de minha parte, a Curva de Gauss demonstra que grande parte de alguns eventos que observamos ficam em torno de um valor médio, com uma certa variabilidade. Essa curva também é conhecida como “curva normal”, onde observamos a maior incidência de um determinado comportamento.
Também podemos entender “ser normal” como seguir as normas, as regras ou o que é considerado usual em determinado grupo de pessoas. Podemos também avaliar como o mesmo comportamento da maioria: a mesmice, a padronização, a formação, ou seja, o colocar em formas.
Essa mesmice chega com um comportamento estimulado por um conjunto de pensamentos, crenças, padrões, normas e hábitos seguidos por uma maioria em determinado agrupamento de pessoas. Contudo, esse comportamento pode causar o afastamento das qualidades e virtudes individuais das pessoas. Como resultado, isto pode provocar desequilíbrios, enfermidades, infelicidade e a perda de sentido na vida.
A escolha pela falsa segurança do “sempre o mesmo”, que o sistema impõe por ser mais cômodo responder a um conjunto pré-estabelecido de comandos e respostas, impede o indivíduo de ser quem em verdade é.
A aceitação conformada por esse senso comum impede a vazão dos impulsos de vida que brotam na forma de dons, virtudes e aptidões, interrompendo o avanço do desejo interior.
Sair da mesmice é libertar-se do medo de se encontrar.
Marianne Williamson demonstrou bem esse verdadeiro transtorno de apequenamento quando escreveu: “Nosso maior medo não é o de sermos incapazes. Nosso maior medo é descobrir que somos muito mais poderosos do que pensamos.
É nossa luz e não nossas trevas, aquilo que mais nos assusta. Vivemos nos perguntando: quem sou eu, que me julgo tão insignificante, para aceitar o desafio de ser brilhante, sedutora, talentosa, fabulosa? Na verdade, por que não?
Procurar ser medíocre não vai ajudar em nada o mundo ou os nossos filhos. Não existe nenhum mérito em diminuir nossos talentos, apenas para que os outros não se sintam inseguros ao nosso lado.
Nascemos para manifestar a glória de Deus – que está em todos, e não apenas em alguns eleitos. Quando tentamos mostrar esta glória, inconscientemente damos permissão para que nossos amigos possam também manifestá-la. Quanto mais livres formos, mais livres tornamos aqueles que nos cercam.”
É preciso empreender a marcha ao encontro da essência do ser.
Não é suficiente ser apenas um ego. É preciso empreender a marcha ao encontro da essência do ser, isto é, aquilo que em verdade somos, a nossa marca distinta e viva de onde nascem os impulsos da vida. Sair da mesmice é ir além do simples eu, atingir o self, transcender o mundano e reencontrar a nossa origem.
Essa viagem síntese é acompanhada pelo medo de se perder, sentida pela percepção da dissolução do ego – a identidade construída através das experiências familiares, da sociedade, em seus ambientes e relações.
Mas enfrentando esse receio, percebemos que o que se desmancha são as ilusões, as imagens construídas a partir de consensos, costumes e normas, as personas alimentadas pela energia do ego que ganham vida substituindo o ser em seus afazeres.
Essa verdadeira chacoalhada, essa revolução, começa dentro de cada um, no olhar para dentro de si mesmo. No encontro com a dádiva de ser, a realidade impossível de ser perdida.
José Batista de Carvalho
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