
Quem tem mania de se comparar e repara nos outros não vive a sua vida.
Estava lendo um texto de Matthieu Ricard que achei muito interessante. Fala do ego, dos nossos medos e de como nos deixamos influenciar e nos despersonalizar no nosso convívio inevitável com as pessoas. Cria-se, então, uma verdadeira e absurda mania de se comparar e, naturalmente, mostrar-se “mais” e “melhor”.
Procurando informações sobre a vida de Ricard, vi que ele foi considerado a pessoa mais feliz do mundo num estudo feito por pesquisadores da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, em 2012. Francês de nascimento, Ph.D. em genética molecular, abandonou a sua carreira para se dedicar a estudos do Budismo Tibetano. Mora num monastério no Nepal e é o intérprete em francês do Dalai Lama desde 1989.
Vamos, então, ver como a pessoa mais feliz do mundo pode nos orientar a compartilhar dessa felicidade?
Mostrar aos outros o que não somos não evita o sofrimento.
Ricard argumenta que o medo de sofrer, o medo do que o mundo e os outros podem nos causar leva a uma atitude de isolamento. Esse isolamento não é desse mundo que nos aflige – mas de nós mesmos. Tentamos, então, nos proteger e nos esconder vivendo uma falsa realidade para evitar o sofrimento. Criamos, assim, um forte vínculo com o ego, damos um exagerado valor às aparências e às coisas materiais. Mas, ao contrário do que esperávamos, é justamente essa mania de se comparar que atrai o sofrimento que tentamos evitar.
“Cada um de nós é, de fato, uma pessoa única, e está certo reconhecermos e apreciarmos quem somos. Mas ao reforçarmos a identidade separada do ego, perdemos a sintonia com a realidade.”, explica Ricard. Vivemos num fluxo constante de relacionamentos com o meio ambiente e com outras pessoas, como “uma onda que se propaga, influencia o ambiente e é influenciada por ele”, e o ego é fundamental para travar esses inter-relacionamentos.
“Porém”, continua Ricard, “estamos tão acostumados a fixar o rótulo de “eu” a esse fluxo mental, que chegamos a nos identificar com este último e temer o seu desaparecimento. Segue-se daí um poderoso apego ao ego e à noção de “meu” – meu corpo, meu nome, minha mente, minhas posses, meus amigos, e assim por diante, que leva ao desejo de possuir ou ao sentimento de repulsa pelo outro.”
A mania de se comparar é uma disputa onde ninguém ganha.
Esse tipo de pensamento, centrado no ego e na posse, leva à necessidade de ter mais e de ser melhor. Ou, pelo menos, parecer que é assim, como uma forma de contentar e amenizar a insegurança que sentimos.
Cada vez mais essa atitude nos afasta de nossos valores, daquilo que realmente é importante para nós, do que gostamos de ser e de fazer – não pela aprovação dos outros – mas por nossa própria satisfação.
A comparação, naturalmente, leva a uma insana e árdua disputa e “é assim que os conceitos de “eu” e “outro” se cristalizam na nossa mente. Ficamos com a impressão errada de que existe uma dualidade irredutível e inevitável, criando assim a base para todas as nossas aflições mentais, como o desejo alienante, o ódio, o ciúme, o orgulho e o egoísmo.”
“Nesse ponto percebemos o mundo através do espelho deformante das nossas ilusões e permanecemos em desarmonia com a verdadeira natureza das coisas, o que leva à frustração e ao sofrimento.”, conclui Matthieu Ricard.
Quem vive de ilusões prepara um futuro de insatisfações.
A ilusão de poder evitar o sofrimento através de atitudes que estão em desacordo com nosso jeito de ser, a necessidade de fazer os outros nos perceberem como melhores, mais espertos, mais influentes, a vontade de ser admirado e causar inveja nos outros, é que leva, por fim, ao isolamento de nós mesmos.
Deixamos de nos aperfeiçoar em áreas vitais para o nosso desenvolvimento, seja pessoal, profissional, espiritual, porque deixamos de atender as aspirações originais de nosso ser, de nossa existência como uma oportunidade que temos para corrigir, aprimorar, evoluir.
Enquanto isso, nos preocupamos em atender as necessidades de bajulação do ego, deixamos nos levar ao invés de conduzir. Procuramos a nossa identidade nos outros e, claro, não conseguimos encontrá-la. A vida é uma eterna insatisfação, e a pergunta que não se cala surge, então, a todo momento: “como posso ser feliz?”
Não nos conhecemos mais, não sabemos exatamente do que gostamos, o que queremos, nos movemos nesse oceano onde somos levados, lavados e mesclados.
Cada um de nós é um verdadeiro oceano, vasto, completo, único e incomparável.
Rumi diz que “Você não é uma gota no oceano. Você é um oceano inteiro numa gota.”
Esse é o oceano da consciência de nossa capacidade infinita, como partes da essência divina. Temos todos os recursos que queremos e precisamos à nossa disposição. Cada um de nós é como uma gota dentro do Universo.
Mas cada um de nós possui e representa – nessa única e incomparável gota – toda a potencialidade da criação divina, a possibilidade de expressar tudo o que desejamos como uma realização de vida que, como a gota, é única e incomparável.
Expor essa gota à luz do Sol para que ela irradie seus irisados e multifacetados raios, espalhando luz e alegria, contagiando com inspiração e motivação, é o que permite que cada um viva pleno de si, deixando de lado a necessidade de se comparar a quem quer que seja.
A única comparação válida é conosco: hoje sou melhor que ontem – em minhas habilidades, no meu trabalho, em meus relacionamentos, na minha compreensão, na paciência, na fé, na alegria.
E vou continuar me esforçando para amanhã ser melhor do que hoje, para que todos os meus amanhãs sejam melhores que cada ontem.
Noemi C. Carvalho
Olá, LêAqui! Excelente trabalho!