
Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for.
Nada se constrói, nada se realiza sem uma ação firme e positiva. A ação depende do querer, o querer começa no pensamento. Todo fim tem necessariamente um começo. “Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for.”, diz Fernando Pessoa, através das memórias autobiográficas de Bernardo Soares¹ “ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa”.
Ele conta sobre um dia normal na sua rotina de trabalho, mas deixa claro o desgosto que sente pelos rumos de sua vida. Assim, explica Bernardo Soares, “às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria, sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que transcende os números e a desilusão.
A vida desgosta-me como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse a simples força de o querer deveras afastar.”
É preciso saber o que se quer.
Em seguida, ele faz uma especial alusão à vontade, ao querer, como instância fundamental para realizar, transformar, modificar o que quer que seja que desejamos. Mas para isso, é preciso antes saber o que se quer, para então definir o que fazer.
Assim, continua dizendo Bernardo Soares, “vivemos pela ação, isto é, pela vontade. Aos que não sabemos querer — sejamos gênios ou mendigos — irmana-nos a impotência.
De que me serve citar-me gênio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não fizerem ali?”
Nosso querer deve estar alinhado ao querer de Deus.
Numa linguagem mais contemporânea e coloquial, Calunga² também partilha da mesma opinião, ao dizer que “nessa nossa vida a dificuldade não existe de fato. É a mente que cria a dificuldade.
Não bastasse criar a dificuldade, ainda alimenta a sua obra-prima com o requinte dos pensamentos negativos, de angústia, de desespero, de temor e incerteza diante da vida.”
Portanto, para construirmos o palácio de nossas aspirações, temos que escolher os materiais que lhe darão a firmeza e a estrutura: a confiança, a determinação, o otimismo, a perseverança, a fé.
Além disso, esse palácio da realização de nossos desejos deve ter como fundamento ser útil e proveitoso a outros que conosco compartilham este tempo e este espaço terreno, erguido sobre as diretrizes da moral e do bem comum.
Colocamos, então, em movimento o fluxo das energias criadoras. Mas também precisamos saber aceitar os reveses da vida como situações necessárias ao nosso desenvolvimento, entendendo que o nosso querer pode não ser oportuno em determinado momento.
É preciso confiar no tempo de Deus, tendo a certeza que Sua orientação e cuidados não nos faltam. Como diz Emmanuel³, é imprescindível manter a paz de espírito, “entregar as nossas síndromes de ansiedade e de angústia à providência invisível que nos apoia.”
E para isso, ele nos oferece uma diretriz clara e simples: “Deus que nos tem sustentado, até agora, nos sustentará também de agora em diante. Em suma, recordemos o texto evangélico que nos adverte sensatamente: ‘Se Deus é por nós, quem poderia ser contra!'”
Assim, encontramos sempre a disposição e a força para recomeçar tantas vezes quantas for preciso.
Noemi C. Carvalho
Referências
1 – Bernardo Soares, em “Livro do Desassossego”, por Fernando Pessoa
2 – Calunga em “Você tem que querer e realizar o seu caminho“, por Luiz Gasparetto
3 – Emmanuel em “Com paz de espírito você pode manifestar seus desejos“, por Chico Xavier