
Como praticar o autoconhecimento, segundo Santo Agostinho.
Santo Agostinho explica que o autoconhecimento é a “chave do progresso individual” e indica o que podemos fazer para nos autoconhecer. Sua mensagem é parte de “O Livros dos Espíritos”, obra compilada por Allan Kardec e considerada a obra fundadora da Doutrina Espírita, ou Espiritismo.
Em resposta à pergunta feita sobre qual é o meio prático e mais eficaz pelo qual podemos melhorar a nossa vida, Santo Agostinho dá uma resposta simples e direta:
“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”, frase que é atribuída ao filósofo grego Sócrates (470–399 a.C.).
Outra pergunta se seguiu, desta vez pedindo orientação sobre qual o meio para superar as dificuldades e conseguir conhecer a si mesmo. Para isso, Santo Agostinho responde dando o exemplo de sua própria vida:
“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma.”
A receita de Santo Agostinho para o autoconhecimento.
Portanto, podemos entender que a primeira atitude para nos autoconhecermos é revisarmos o que fizemos ou deixamos de fazer durante o dia que passou, o que falamos e a forma como o dissemos, “rogando a Deus e ao seu anjo de guarda” que o esclareçam.
Para que essa ação não se perca em considerações e justificativas, o benfeitor espiritual torna a análise bem objetiva e orienta que você considere:
- como você agiu em determinada circunstância
- qual era de fato o seu objetivo naquela ocasião
- se você censuraria outra pessoa que tivesse agido do mesmo jeito
- se você quer manter em sigilo algo que você fez
E pergunte, ainda mais, diz Santo Agostinho: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”.
E assim podemos começar a jornada do autoconhecimento, examinando, em primeiro lugar, o que talvez tenhamos feito que possa ser considerada uma ação contra os princípios divinos. Em seguida, se alguma atitude foi contra o próximo e, finalmente, contra nós mesmos.
“As respostas”, esclarece o benfeitor, “vos darão ou o descanso para a vossa consciência ou a indicação de um mal que precise ser curado.”
A análise sincera de nossas atitudes é fundamental.
Essa análise das atitudes diárias pode parecer difícil de ser feita, porque, como exemplifica Santo Agostinho, “como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade.”
Existe um meio infalível para verificar a real tendência de nossas ações, e assim não nos iludirmos com considerações que só procuram justificá-las. Basta que nos perguntemos como as classificaríamos se tivessem sido praticadas por outra pessoa. Se julgamos de forma negativa e condenamos a atitude, o mesmo vale para nós, “pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de sua justiça.”
E se ainda assim continuar a dúvida, devemos procurar saber a opinião de outras pessoas, inclusive de inimigos, porque “esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo”, explica Santo Agostinho.
Ou seja, como esclarece o abnegado mentor espiritual, precisamos fazer uma análise sincera da consciência, quando existe um profundo desejo de se melhorar. Só assim é possível “extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas.”
E como um comerciante que, no final do dia faz o balanço de seu trabalho, também devemos fazer esse balanço moral para avaliar nossas perdas e lucros. Como bem diz o bondoso Santo, “se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.”
O autoconhecimento merece dedicação, afirma Santo Agostinho.
A orientação segue reforçando a importância de fazer perguntas objetivas e precisas, mesmo que elas se desdobrem em outras questões, dedicando o tempo que for necessário para uma introspecção cuidadosa.
“Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias?
Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços?”
Santo Agostinho se refere, então, à vida espiritual, à continuação da vida depois da morte do corpo físico. Isto é o que pode nos motivar a não desistir, enfrentando os desafios que podem surgir nessa proposta do autodescobrimento.
Afinal, quando pensamos em melhorar a qualidade de vida, não podemos ter em mente só os poucos anos que ainda teremos pela frente na vida terrena, quando comparados à vida eterna do espírito imortal.
Assim, o benevolente espírito afirma: “Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma.”
Um modo de chamar a atenção, visando o bem maior.
Em seguida, Santo Agostinho se refere aos fenômenos registrados em várias localidades, no século XIX, com o surgimento das chamadas ‘mesas girantes’. Foi a partir delas que se aguçou a curiosidade e foi despertado o interesse que levou Allan Kardec a realizar o trabalho que resultou na Codificação da Doutrina Espírita:
“Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos ‘O Livro dos Espíritos’.”
O comentário feito por Allan Kardec.
Allan Kardec comenta o ensinamento de Santo Agostinho, reconhecendo que “muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.”
Kardec ressalta que “a forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que uma máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou um não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que não outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.”
Em outras palavras, podemos desviar nossa atenção quando consideramos apenas conceitos teóricos e também podemos considerar que, por alguma razão, eles não se aplicam a nós, ou simplesmente nos esquecemos deles, justamente por falta de colocá-los em prática.
Mas quando a resposta se restringe a ‘sim ou não’, podemos somar os pontos positivos e os negativos como num simples teste. O autoconhecimento se transforma, assim, em uma tarefa mais prática e possível de ser realizada, mas nem por isso menos importante ou desafiadora.
Noemi C. Carvalho
texto baseado na Questão 919 de ‘O Livro dos Espíritos’ – ‘Conhecimento de si mesmo’
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